O preço por ser intenso
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Conheci Eduardo numa livraria, em uma daquelas tardes em que o tempo parece passar mais devagar que o habitual. Ele folheava um livro de poesias com a mesma atenção que outros reservam para textos sagrados, movendo os lábios quase imperceptivelmente, como se degustasse cada palavra. Quando nossos olhos se cruzaram, ele sorriu com uma espontaneidade rara de quem ainda se surpreende com encontros casuais.
"Este aqui", disse, mostrando o livro, "sempre me lembra de quando descobri que era possível sentir sem limites." E naquela frase, pronunciada para um estranho numa livraria, estava resumida toda a tragédia e beleza de um homem que jamais aprendeu a amar pela metade.
Eduardo cresceu sendo aquela criança que transformava cada experiência num filme épico. Quando colocava um disco de vinil no toca-discos, fechava os olhos e se via no palco, suando sob os holofotes, sentindo o coração da multidão bater no mesmo ritmo que o seu. Quando lia um livro, não era leitor, era personagem, herói, vilão, testemunha, vítima.
"Lembro de uma tarde", me contou Eduardo, com aquele sorriso nostálgico de quem revisita memórias preciosas, "em que estava jogando bola com os amigos na rua. Era só uma pelada comum, mas para mim era a final da Copa do Mundo. Eu sentia o peso da camisa do Brasil, ouvia os gritos da torcida, chorei de verdade quando perdi um pênalti. Os outros meninos riram de mim. Foi a primeira vez que percebi que eu sentia... diferente."
Na adolescência, descobriu o amor com a mesma intensidade avassaladora. Cada paixão era um universo inteiro que se abria diante dele. Não sabia flertar – sabia apenas se entregar completamente. Escrevia cartas enormes falando dos sentimentos que transbordavam do peito, declarava amor eterno na segunda semana de namoro, planejava casamentos aos dezesseis anos. As meninas ficavam assustadas com tanto sentimento concentrado, e ele não entendia por que o que lhe parecia natural soava exagerado para os outros.
"Sempre acreditei que todos amavam da mesma forma que eu. Levei anos para descobrir que eu era a exceção, não a regra."
Foi nas amizades que essa intensidade se tornou mais cruel. Eduardo não sabia ser só amigo, sabia ser irmão, confessor, anjo da guarda. Quando escolhia alguém para dividir sua vida, não era uma decisão casual. Era um investimento emocional total, uma entrega sem ressalvas que envolvia ligações longas, presença constante, gestos grandiosos, uma memória fotográfica para cada detalhe importante da vida do outro.
"Eu chegava na vida das pessoas como uma tempestade de afeto", lembrava, com um sorriso que carregava mais dor que alegria. "No começo, elas ficavam encantadas. Quem não gostaria de ter um amigo que lembra não só do seu aniversário, mas também do aniversário do seu cachorro? Que aparece na sua casa com um presente, quando você nem sabia que estava triste?"
Mas aqui estava o problema que Eduardo levou décadas para compreender: ele não conseguia sustentar aquela intensidade para sempre. Não por falta de amor ou por falsidade, mas porque nenhum ser humano consegue manter o coração acelerado vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
"O que acontecia", ele explicava, com a voz embargada, "é que eu dava tudo de mim nos primeiros meses de uma amizade. TUDO. Cada fibra da minha atenção, cada gota da minha energia emocional. As pessoas se habituavam com aquela versão superconcentrada de mim. E então, naturalmente, porque ser humano, eu me cansava. Ou surgia outro interesse, outro projeto, outro amor que também merecia minha intensidade."
E aí vinha a parte mais dolorosa: as pessoas se sentiam abandonadas. Não porque Eduardo tivesse deixado de gostar delas, mas porque haviam se viciado naquela versão intensificada do seu carinho. Quando ele voltava a ser apenas um bom amigo – em vez do amigo extraordinário que havia sido –, elas interpretavam isso como rejeição, como se ele tivesse perdido o interesse.
"Eu me sentia culpado por não conseguir manter sempre aquela entrega total", Eduardo confessou, e pela primeira vez vi lágrimas nos seus olhos. "Achava que estava falhando com as pessoas, que era egoísta por não conseguir sustentar para sempre aquela versão de mim mesmo que tanto as encantava no início."
Ele me contou de uma amiga, Mariana, que conheceu numa época difícil da vida dela. Eduardo se tornou seu porto seguro: ligava todos os dias, aparecia com comida quando ela estava doente, ouvia seus desabafos por horas, lembrava de cada detalhe das suas angústias. "Durante seis meses, fui o melhor amigo que ela já teve", disse. "Mas depois que ela saiu da crise e eu comecei um relacionamento novo, minha atenção naturalmente se dividiu. Mariana nunca me perdoou por ter me tornado 'normal'."
"O que ela não entendia", Eduardo continuou, "é que eu não havia deixado de amá-la. Apenas havia voltado a equilibrar meu amor entre outras coisas, outras pessoas. Minha intensidade tinha se redistribuído, não desaparecido."
Foi através dessas dores que Eduardo descobriu que criava expectativas impossíveis sobre si mesmo – de ser sempre aquela versão máxima de cuidado e carinho – e que os outros também criavam expectativas impossíveis sobre ele – de que mantivesse para sempre aquele nível de atenção que oferecia no início.
"Hoje entendo que minha intensidade não é defeito nem virtude, afinal é apenas minha forma de existir", disse, enquanto terminávamos nosso café. "Aprendi a avisar as pessoas sobre isso, a explicar que sou como uma chuva tropical: quando chego, molho tudo, mas não posso chover sem parar senão viro enchente."
"Sabe qual foi minha maior descoberta?", perguntou, enquanto nos despedíamos. "Que não preciso me desculpar por amar intensamente, mas preciso aprender a comunicar que essa intensidade tem ritmos, como uma música. Tem momentos fortes e momentos suaves, mas isso não significa que a música parou."
Saí daquele encontro me perguntando quantas vezes eu mesmo havia me sentido abandonado por alguém que, na verdade, apenas estava redistribuindo sua intensidade. Quantas vezes eu havia abandonado pessoas por não conseguir sustentar para sempre a versão mais intensa de mim mesmo.
E principalmente me perguntando se não seria mais bonito aceitar que pessoas intensas não são pessoas instáveis, são pessoas que vivem em amplitudes maiores. E que talvez o mundo precise tanto de quem ama devagar e constante quanto de quem ama forte e intermitente.
Porque no fim das contas, todos estamos apenas tentando dar e receber amor da melhor forma que conseguimos. E não há culpa alguma em amar do jeito que sabemos.
O importante é encontrar pessoas que entendam nossa linguagem de amor, que aceitem nossos ritmos, que saibam que às vezes amamos tanto que precisamos respirar.
